Eu gosto de escrever. Revendo minha vida, vejo que não é de hoje. Gosto de escrever desde que aprendi a escrever e, ainda assim, nunca entendi de onde vem essa vontade maluca de me expressar através do texto. De criar mundos que eu gostaria de visitar. Me lembro que, na época da escola, sempre adorava as redações e Português era a minha disciplina favorita. Eu realmente adorava escrever. Mas, em contraste com isso, odiava ler.
Confesso que tentava mesmo profundamente, mas não conseguia desenvolver o menor amor por aquelas coisas que claramente não haviam sido escritas por mim. Não que eu me achasse superior aos outros ou algo do tipo. Muito pelo contrário. Eu simplesmente não conseguia “enxergar um bom motivo para ler um história escrita por um velho que morreu há 150 anos”.
Afinal de contas, era assim que eu via os livros: como coisas feitas por velhos e para velhos.
Por que isso acontecia? É fácil entender. O que aconteceu comigo naquela época continua acontecendo com muitas crianças nos dias de hoje: as escolas nos ensinam a odiar livros. Fazem isso tão bem que muitos nunca mais abandonam esse pensamento. Isso porque nos obrigam a ler coisas que ainda não estamos preparados para digerir. Guimarães Rosa, José de Alencar, Lima Barreto, Euclides da Cunha… É quase impossível que uma criança bombardeada por desenhos, videogames e filmes leia algum destes autores e goste logo de cara.
É por isso que tanta gente odeia Machado de Assis, apesar de ele ser um dos melhores autores do mundo! Hoje em dia, eu adoro Machado de Assis, mas confesso que eu também o odiava quando estava escola. Eu não estava preparado para Dom Casmurro quando tentei ler pela primeira vez. Talvez se tivesse começado por outra de suas obras, como “O Imortal” ou “O Alienista”, tivesse me interessado mais, porém não foi este o caso.
E isso me faz pensar em outra coisa. Muitos escritores enchem o peito para falar mal de Paulo Coelho e J. K. Rowling. Gostam de enumerar seus deslizes e comparar suas escritas pobres com a maestria e o talento de Liev Tolstói ou Fiódor Dostoiévski. Mas o problema é que esse intelectuais de meia tigela se esquecem que nenhuma criança vai gostar de literatura se for obrigada a ler as intermináveis páginas de Guerra e Paz ou de Crime e Castigo. Mas, pensando por outro lado, quantos leitores apaixonados de Tolstói e Dostoiévski não começaram a ler exclusivamente por causa das histórias do Harry Potter? Ainda que você considere a franquia Harry Potter um lixo, precisa reconhecer o seu valor. Quantas crianças se tornaram leitoras fervorosas de muitos outros gêneros além da fantasia a partir da leitura de O Alquimista?
Tomando como exemplo a minha experiência pessoal, o primeiro livro que li sem ser obrigado por um professor e que gostei foi Robinson Crusoé, do Daniel Defoe. A versão que li havia sido traduzida por Monteiro Lobato e, ao saber disso, um pequeno interesse por livros surgiu. Depois disso, parti para a série de terror infantil Goosebumps e li Bem-vindo ao Acampamento dos Pesadelos. Mas foi só quando li O Alquimista que passei a me interessar muito por livros. O Amor incondicional veio com O Senhor dos Anéis, logo em seguida.
Entendem o que eu quero dizer? O gosto foi surgindo aos poucos, com livros mais simples e fáceis de ler. E deve ser assim com todos. Uma criança de seis anos não vai se interessar pelos dilemas do Dom e sua Capitu. Ele quer ver magia, ação e espadas. E nós, como adultos conscientes, devemos usar estes interesses para mostrá-lo que ler é muito bom. Conforme o tempo passa, vamos mostrando que há mais coisas além da magia e, se a criança tiver desenvolvido o gosto pela leitura, ela passará a ler de tudo
Os educadores precisam entender que o gosto pela literatura só se desenvolve se o leitor for construído aos poucos. Um passo de cada vez… ou melhor: uma página de cada vez. O primeiro contato com os livros, que geralmente ocorre na escola, é crucial.
Mas também existe um outro lado que deve ser observado. Aquele que transforma as crianças em idiotas. Recentemente, a escritora Ruth Rocha disse que Harry Potter não é literatura. Claro que ela está tentando garantir o dinheirinho no fim do mês, umas vez que seus livros (principalmente o enfadonho “Marcelo Marmelo Martelo”) são adotados pela MEC com leitura obrigatória nas escolas. Mas, pense profundamente e me diga: quantas pessoas você conhece que começaram a gostar de livros lendo Ruth Rocha? Eu não conheço ninguém. E é simples entender o motivo. Os livros dela fazem o extremo oposto das obras adultas e tratam as crianças como acéfalas.
É nesse meio termo que obras como as da fantástica Coleção Vaga-Lume se enquadram. Lembro de me arrepiar lendo O Escaravelho do Diabo e o O Rapto do Garoto de Ouro. Que criança no mundo trocaria livros como esses por Dom Casmurro ou Marcelo Marmelo Martelo? Nenhuma, em sã consciência. E não se engane: crianças são conscientes.
O fato é: se eu não amasse tanto escrever, odiaria livros hoje em dia. Por sorte, sempre fui insistente e me desviei do que não era para mim, naquele momento… E do que não seria para mim nunca (e aí, Ruth Rocha). Foi por isso que, como milhares de outras pessoas, acabei descobrindo que poucas coisas são tão mágicas quanto a leitura de um bom livro. Se você é professor, tente promover uma mudança nas salas de aula. Seus alunos vão agradecer. E se você é pai ou mãe, leia para o seu filho e o incentive a ler também. Não precisa ter vergonha. O futuro do Brasil agradece.
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